Abastecimento de oxigênio no interior do AM ainda não foi normalizado, alertam defensores públicos

“As pessoas não morreram, ainda, porque a gente está trabalhando no limite diário de oxigênio.” A frase em tom alarmante é da defensora pública Márcia Mileni, que coordena o Polo da Defensoria Publica do Amazonas (DPE-AM) na região do Médio Solimões. O alerta ocorre diante da preocupação com que uma tragédia, como a que matou sete pessoas por falta de oxigênio em Coari (a 363 quilômetros de Manaus), se repita em Tefé (523 quilômetros distante da capital).

Márcia é uma das 29 defensoras e defensores públicos que atuam no interior do estado para garantir assistência jurídica à população amazonense. Ela acompanha a crise de saúde pública provocada pela Covid-19 em Tefé, cidade-sede do polo onde trabalha, e em outros sete municípios.

“Tefé está sempre em colapso eminente. Chega oxigênio quase todos os dias, mas chega ‘de pingado’. Chega 25 cilindros, chega 30. Isso é irrisório perto da necessidade. Então, se der problema em um barco, se atrasar um avião, a gente corre risco de ficar sem oxigênio”, conta a defensora.

A DPE-AM conseguiu, em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e os Ministérios Públicos Federal (MPF-AM), Estadual (MPE-AM) e de Contas (MPC-AM), uma decisão na Justiça Federal para obrigar os governos Federal e Estadual a distribuírem oxigênio para os municípios do interior do Amazonas, na última segunda-feira (18). Mesmo assim, o desabastecimento continua.

“Até o momento a gente não recebeu nada de concreto do Governo Estadual, nem do Governo Federal. O interior inteiro está com problema. Até poucos dias, o relato de dificuldade era só de Tefé. Agora, a gente começa a receber relato de dificuldade de transporte de oxigênio nos outros municípios do Médio Solimões. Nesta sexta-feira (22), a gente recebeu um comunicado da procuradora de Jutaí (a 751 quilômetros de Manaus), que está com dificuldade de transportar cilindros para lá. Onde ainda não aconteceu, a tragédia pode acontecer amanhã. A gente pode acordar com uma notícia terrível”, lamenta Márcia.

Faltam UTIs e transferências demoram

Manaus é a única cidade com Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em todo o estado. Por isso, a Defensoria tem ingressado com ações judiciais para tentar obrigar o Governo do Amazonas a transferir diagnosticados com Covid-19 em estado grave para hospitais na capital. Desde o dia 13, no entanto, Márcia viu seis pacientes morrerem, em Tefé, aguardando o cumprimento de decisões favoráveis para a remoção.

O colapso na saúde da capital já tem levado defensores públicos a pedirem nas ações judiciais que a determinação seja para transferências a Manaus ou outra unidade da federação que possua leitos disponíveis, como a liminar que atendia os pacientes mortos. No interior do Amazonas, porém, as pessoas estão enfrentando um “paradoxo”, resume a defensora pública Gabriela Gonçalves.

“Não há um leito sequer de UTI no interior desse gigantesco estado, de modo que todos os pacientes dependem de uma remoção em UTI aérea, para Manaus, para conseguirem continuar lutando pela vida. Ocorre que agora os pacientes do interior enfrentam um paradoxo. Eles não vão para Manaus porque Manaus está colapsada e eles também não vão para outros estados porque eles não estão em Manaus, de acordo com o previsto no plano inicial de transferências”, afirma Gabriela, que atua em Parintins, a segunda maior cidade do Amazonas, localizada a 369 quilômetros de Manaus.

Belém, a capital do estado vizinho Pará, já recebeu seis pacientes de Parintins que precisavam ser internados em leitos de UTI, após o cumprimento de decisões judiciais.

Já em Tabatinga, a 1.108 quilômetros de Manaus, na Tríplice Fronteira (Brasil – Colômbia – Peru), três pacientes tiveram que ser removidos para a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, por determinação do Ministério da Saúde. Na última quinta-feira (21), levantamento da Defensoria mostrava que 22 pacientes em Tabatinga aguardavam transferência para outros hospitais.

Alta de casos preocupa

Itacoatiara, a 176 quilômetros de Manaus, é o 4° município do interior com mais óbitos em decorrência da Covid-19. Já foram 139. “A cidade estava com 98 pacientes internados e esse número só tem sido mantido porque nós estamos com uma taxa considerável de óbitos. De quinta para sexta-feira (dias 21 e 22), nove pessoas morreram. Muitas delas aguardavam transferência para a capital”, conta o defensor público Murilo Monte, que atua no Polo da DPE-AM no Médio Amazonas.

Segundo Murilo, o abastecimento de oxigênio do município, apesar de intervenções do Poder Público, ainda não está normalizado e a alta de casos no município preocupa.

“Aqui a situação do oxigênio ainda não está estabilizada. A demanda é crescente. Nesta semana, o Estado enviou, mediante tratativas com o prefeito, um caminhão com 4 mil metros cúbicos, isso duraria para três dias. Já tivemos informação que o conteúdo do tanque estava se encerrando nesta sexta-feira, ao meio-dia. O Estado iria enviar 70 cilindros, mas esse quantitativo dura 24 horas. Isso sem considerar que a demanda é crescente aqui. Esse quantitativo é insuficiente para garantir que essas pessoas tenham uma tutela de saúde adequada, diante também do risco de sempre estarmos em situação de desabastecimento”, lembra o defensor público.

Faltam profissionais

Entre os municípios citados na reportagem, Tabatinga é o mais distante da capital Manaus. A defensora pública Jéssica Matos afirma que, embora a situação de oxigênio esteja estável, já que Tabatinga recebe gás produzido na vizinha cidade colombiana de Letícia, o problema na região é a falta de profissionais de saúde.

“O número de internações e de casos crescem exponencialmente. A taxa de ocupação hospitalar está alta, mas ainda temos leitos disponíveis. O problema é que apesar de termos leitos, não há profissionais de saúde suficientes. Há tentativa de trazer pessoal de outros países, mas há um entrave com o Conselho Federal de Medicina”, explica a defensora.

Diante desse cenário, o defensor público Murilo Monte define a triste luta da Defensoria em meio à crise de saúde pública que assola o Amazonas. “A gente vê pacientes graves morrendo aguardando leitos, mas segue aqui, entrando com as medidas judiciais para tentar garantir tratamento para essas pessoas”, resume.

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