Relatos incluem crianças doentes após uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta, além de danos psicológicos e sociais
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) esteve nesta segunda-feira (22) na comunidade ribeirinha Ilha do Tambaqui, localizada a cerca de uma hora de Humaitá (a 696 quilômetros de Manaus). A visita teve como objetivo colher depoimentos de famílias que não conseguem se deslocar à área urbana para buscar assistência jurídica gratuita.
A ação reforça o atendimento prioritário às pessoas diretamente ou indiretamente afetadas pelas operações da Polícia Federal realizadas na última semana, que deixaram impactos psicológicos, financeiros e sociais.
Os defensores públicos Ricardo Queiroz e Theo Costa, acompanhados de servidoras da instituição, se somaram ao trabalho já realizado pela equipe da Defensoria em Humaitá, composta pelos defensores Francine Baldisserela e Newton Lucena.
Relatos da comunidade
Entre os depoimentos, o extrativista Antônio de Souza, 42, afirmou ter vivido “uma guerra” durante a operação. “Eles meteram tiro para a terra, onde estavam minha filha, minha esposa e minha sobrinha de 3 meses no braço. Também jogaram bombas de gás, e eu passei mal”, relatou. Ele disse ainda que não há água potável na comunidade e que, desde então, faz uso de remédio controlado para ansiedade.
Tatiel Souza, 34, contou que os três filhos ficaram traumatizados após presenciarem a ação. As crianças estavam na escola, próxima às embarcações, e ouviram toda a movimentação. “Agora, qualquer coisa, eles se lembram da cena. Quando veem alguém estranho, correm achando que vai explodir de novo”, disse.






No Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), em Humaitá, onde a Defensoria mantém atendimentos em parceria com a Prefeitura até quarta-feira (24), a dona de casa Juciane Barreto, 31, relatou que sua residência foi invadida durante a operação. Segundo ela, os filhos, de 3 e 10 anos, inalaram fumaça de spray de pimenta.
“Eles já estavam doentes e piorou mais ainda. A boca do meu filho ficou toda ferida, e minha filha teve falta de ar, porque, além de diabética, tem problema de pressão”, contou.
Juciane destacou que a família não tem ligação com o garimpo. “A gente foi atingido só porque as pessoas fugiram para dentro da nossa casa”, disse.
Próximas comunidades
A equipe da Defensoria seguirá com os atendimentos até quarta-feira (24). A agenda inclui visitas às comunidades de Uruapiara, a seis horas de Humaitá, onde vivem pelo menos 30 famílias atingidas, além das comunidades Laranjeiras e Santa Rosa, que somam 37 famílias.



Com a chegada de mais dois defensores e uma equipe de servidoras, foi possível intensificar a coleta de informações e o cadastro de pessoas afetadas – trabalho iniciado no último dia 15 de setembro.
O defensor público Theo Costa destacou que os relatos e provas colhidos servirão de base para medidas judiciais voltadas à reparação dos danos. “Ações dessa magnitude acabam causando prejuízos que extrapolam a razoabilidade, como a suspensão das aulas. Em muitas dessas famílias, a escola é o lugar onde as crianças conseguem se alimentar”, afirmou.
Ele acrescentou que é necessário ir além da repressão. “Queremos trazer um outro olhar para as populações de Humaitá e Manicoré. Não adianta uma ação repressiva sem que haja, por outro lado, políticas federais que ofereçam alternativas econômicas e cuidados sociais à população”, concluiu.
Texto e fotos: Thamires Clair