Decisão foi proferida por unanimidade de votos na Segunda Câmara Criminal, que determinou a retomada da instrução processual
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) conseguiu anular uma sentença, aplicada a um indígena da etnia Kanamari, no município de Itamarati, por ausência de um estudo antropológico e a não-observância da resolução 287/2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O instrumento estabelece procedimentos específicos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário.
De acordo com a defensora pública Adriana Tenuta, o indígena foi condenado a um mês de prisão, acusado de agredir a companheira, também indígena. No entanto, nos autos processuais não constavam as provas judiciais do crime, a vítima não foi ouvida em juízo e apenas duas testemunhas, que eram policiais, compareceram na audiência de instrução e julgamento. Além disso, também não foi realizado nenhum estudo antropológico, para verificar se o réu, por ser indígena, possuía entendimento sobre a sua conduta.
Em casos como esse, o estudo antropológico se faz necessário para termos noção do quanto o indígena entende e tem consciência da ilicitude da sua conduta. Ou seja, o fato de a pessoa indígena estar integrada no contexto urbano, falar bem o português, não quer dizer que a leitura dela do que é certo ou errado está de acordo com as normas da sociedade não-indígena
Adriana Tenuta, defensora pública
Diante dos fatos, a Defensoria recorreu da decisão proferida em Primeiro Grau, apresentando apelação na Segunda Câmara Criminal. Por unanimidade de votos, os desembargadores concordaram com o argumento da DPE-AM e declaram a nulidade da sentença condenatória, determinando a retomada da instrução processual para que haja a elaboração do estudo antropológico. A decisão foi assinada pelo relator do processo, desembargador Cezar Luiz Bandiera, no último dia 10.
“Indígenas têm costumes, crenças e tradições próprias à sua etnia e que dialogam ou não com os costumes, crenças e tradições da sociedade não-indígena (hegemônica). Em termos estritos de definição da responsabilidade criminal, exige-se a consideração desta diversidade bem como a análise das circunstâncias em que o fato delituoso se produziu”, complementou a defensora.
Texto: Kelly Melo
Foto: Evandro Seixas-DPE/AM