A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), por meio da Defensoria Especializada na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, ingressou no dia 15 de dezembro com uma Ação Civil Pública com pedido liminar, requerendo que a Justiça reconheça a ilegitimidade da exigência do exame de HIV no concurso público da Polícia Militar (PM) do Amazonas, por seu caráter discriminatório. A ação requer ainda que o critério seja excluído do certame, entre outras medidas.
A Ação Civil Pública volta-se para a ampla defesa de direitos difusos e coletivos. Em seus argumentos, os defensores públicos Roger Moreira, dos Direitos Humanos, e Arlindo Gonçalves, do Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa), apresentam a legislação vigente e dados científicos que apontam para o teor de discriminação da exigência do exame e que não há razão para a aplicação de tal critério.
Na ação, os defensores requerem a concessão da liminar, com a determinação de que o Estado do Amazonas cumpra a decisão, estando sujeito à multa no valor de R$ 5 mil por dia de atraso, até o limite de 60 dias. Requerem ainda que a liminar se torne, posteriormente, decisão definitiva sobre a questão, além da inversão do ônus da prova, cabendo assim ao Estado que comprove com estudos e laudos científicos que uma pessoa soropositiva não pode exercer um cargo público.
O edital do concurso da PM foi lançado no dia 3 de dezembro, prevendo que será exigida dos candidatos habilitados para a etapa de Exames Médicos a apresentação de exames laboratoriais e clínicos, dentre eles o laudo de sorologia (HIV/AIDS). Conforme tópico 11 do edital, a fase é de caráter eliminatório, e os candidatos declarados inaptos ou que não apresentarem os laudos serão de pronto excluídos.
“Diante do exposto, tendo em vista a clara ilegalidade e violação de princípios constitucionais na exigência desse exame, não restou alternativa senão a proposição da presente medida de urgência, no intuito de que seja retirado o item que prevê a apresentação de laudo de sorologia para HIV/AIDS”, diz trecho da ação.
A ação lembra, em seus argumentos, que a Constituição Federal declara o direito à isonomia e à igualdade material e a promoção do bem de todos sem discriminação de qualquer natureza. E que cabe ao Estado brasileiro “atuar positivamente para coibir ações de caráter preconceituoso”.
“Nesse sentido, tem-se que a determinação da exclusão de um candidato de concurso público em virtude de sua condição enquanto Pessoa que Convive com o HIV é ato inconstitucional, que viola o direito ao trabalho, do livre acesso aos cargos públicos, da impessoalidade e ainda o direito à dignidade humana, uma vez que reforça o estigma preconceituoso e excludente e, ainda, reproduz inverdade a técnica ao presumir que todas as pessoas que convivem com o vírus estão inaptas para o exercício da função”, diz outro trecho da ação.
Em suas justificativas, os defensores ressaltam que HIV e AIDS não são sinônimos. HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é o vírus causador da AIDS, que ataca células específicas do sistema imunológico (os linfócitos T-CD4+), responsáveis por defender o organismo contra doenças. E a AIDS é a manifestação da doença.
Reforçam também a evolução do tratamento antirretroviral, que tem se mostrado altamente eficaz, ressaltando que, hoje, a maior parte das pessoas que vivem com HIV e seguem o tratamento adequado, conseguem atingir a chamada “carga viral indetectável”. Isso significa que o tratamento é capaz de reduzir a quantidade de HIV no sangue para níveis que não são detectáveis por testes laboratoriais padrão.
“Hoje, uma pessoa com HIV, que segue o tratamento adequado, pode viver tanto tempo quanto uma pessoa que não tem o vírus. Segundo o Unaids “com a escolha certa de medicamentos antirretrovirais, os níveis virais cairão ao longo de vários meses para níveis indetectáveis e permitirão que o sistema imunológico comece a se recuperar”, cita a ação.
“Ora, o fato de testar positivo para a sorologia do HIV por si só não configura incapacidade para o trabalho, nem mesmo acarreta o risco de contaminação aos que com ela irão conviver apenas profissionalmente, pois é de amplo conhecimento que a transmissão ocorre por meio de relações sexuais ou contato sanguíneo”, diz outro trecho.
O pedido de liminar é embasado também por jurisprudência geradas em processos semelhantes; pela proibição da exigência do Teste de HIV pela Portaria Interministerial nº 892, assinada pelos Ministros de Estado da Saúde e do Trabalho e da Administração, como forma de selecionar os novos servidores; e na Lei nº 1154/75, o Estatuto dos Policiais Militares do Amazonas, que em seu artigo 96 que não inclui o HIV entre os casos em que haverá a incapacidade laboral definitiva dos membros da Polícia Militar.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 também serve como base para o pedido de liminar, pois dispõe que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos sem distinção de qualquer espécie. Além disso, Organização Internacional do Trabalho na 99ª Reunião de sua Conferência anual, realizada em junho de 2010, aprovou a Recomendação nº 200, que diz que o estado sorológico de HIV, real ou suposto, não deve ser motivo de discriminação para a contratação ou manutenção do emprego.
Texto: Márcia Guimarães
Foto: Divulgação/Reprodução internet