A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) obteve liminar judicial para que uma mulher trans conseguisse se inscrever no concurso de beleza Garota Expopin 2021, promovido pela Associação dos Pecuaristas de Parintins (APP). Priscilla Mollinary, de 24 anos, não teve a inscrição deferida pela organização do evento e buscou o Polo da DPE-AM no Baixo Amazonas para poder realizar o sonho de participar da competição.
Priscilla nasceu com sexo masculino, mas se identifica como uma mulher. Ou seja, é uma mulher transgênero ou “mulher trans”. Na ação ingressada durante o último final de semana, o defensor público José Antônio Silva argumentou que justificar o indeferimento da inscrição de Priscila pelo fato de ela ser uma mulher trans feria a dignidade humana e o direito de auto reconhecimento de gênero às pessoas transgênero.
“Entendemos que a não inscrição de Priscilla no concurso feria gravemente a dignidade da pessoa humana, configurando incabível discriminação. Num primeiro momento, tentamos solucionar extrajudicialmente a questão, todavia, diante da postura intransigente da associação organizadora, ajuizamos ação para garantir a participação de nossa assistida no certame. Desejamos que a ação traga reflexão a todos, para que consigamos desenvolver uma sociedade cada vez mais inclusiva”, afirma o defensor.
Em caso do descumprimento da decisão pela organização do concurso, a juíza fixou multa diária de R$ 500 até o limite de R$ 10 mil.
Sexo e gênero
Na decisão que defere a liminar, a juíza plantonista Larissa Padilha Roriz Penna afirmou que seria “incongruente acreditar que o certame em questão, no qual se enaltece a beleza feminina, se refere somente ao sexo biológico, especialmente diante das transformações sociais que vivenciamos na última década.”
Para embasar a decisão, a magistrada abordou os conceitos de sexo e gênero. Penna destacou que concursos de beleza nacionais e internacionais, além dos Tribunais Superiores, têm concluído que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica.
“Gênero identifica homens e mulheres numa dada sociedade a partir de uma construção social do significado do que é ser homem e o que é ser mulher. Sexo é biológico, gênero é social, construído pelas diferentes culturas. E o gênero transcende o sexo biológico (vai além): o que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a conformação genital, mas a auto percepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente”, escreveu a juíza.
Desde 2018, a alteração de dados pessoais em documentos oficiais de identificação se tornou possível no Brasil sem necessidade de cirurgia de transgenitalização ou decisão judicial. Priscilla já passou pelo processo de alteração de nome e gênero em seus documentos pessoais e tem, por exemplo, em sua certidão de nascimento a indicação do sexo feminino. Fato que também foi citado pela juíza na decisão. “Do reconhecimento social e público, por consequência lógica, exsurgem efeitos jurídicos e direitos civis”, destacou a magistrada.
Texto: Vitor Gavirati/DPE-AM
Foto: Clóvis Miranda/DPE-AM