Colocar a tecnologia a serviço do acesso à Justiça. Essa foi a ideia que o assessor Taylor Augusto Tavares de Souza, 27, teve para solucionar um problema que surgiu com a pandemia de Covid-19: como finalizar acordos nas Defensorias de Conciliação e Mediação de Família, sem que os envolvidos precisem sair de casa para assinar o documento? A solução é a gravação de vídeos curtos pelos celulares dos assistidos, que são salvos na internet e depois convertidos em QR Code para serem lidos pelos juízes. Um novo modelo de assinatura digital. Tudo usando programas gratuitos e de fácil manuseio.
Com criatividade e custo zero, Taylor tornou o processo mais célere, seguro e econômico para a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), o Judiciário e, principalmente, para a população vulnerável que necessita de assistência jurídica gratuita. A iniciativa deu tão certo que as Defensorias de Conciliação e Mediação celebraram 2.432 acordos extrajudiciais de junho de 2020 a abril de 202,1 por meio de audiências virtuais, sem que as partes precisassem sair de suas casas.
“O uso dessa ferramenta, tanto do vídeo quanto do QR Code, tornou o processo homologatório mais célere, dispensa a assinatura manuscrita, é totalmente virtual e gratuito, o uso do Youtube, que é o nosso armazenador dos vídeos, é gratuito, o aplicativo que a gente usa para converter os links em QR Code é gratuito. Não há nenhum gasto para o órgão, nem para o assistido”, explica Taylor.
O assessor também ressalta que o novo modelo de assinatura dá segurança total sobre a confiabilidade do acordo firmado. “Com a utilização do vídeo e do QR Code, a gente sabe que é aquela pessoa que fez o acordo que está declarando de forma livre e de boa-fé que leu e concorda com todos os termos. Então, não pode surgir nenhuma dúvida dessa autenticidade”, afirma.
Com tantos pontos positivos, a iniciativa inovadora está concorrendo ao Prêmio Innovare de 2021, que tem como objetivo identificar, divulgar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil. Participam da Comissão Julgadora do Innovare ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), desembargadores, promotores, juízes, defensores, advogados e outros profissionais de destaque interessados em contribuir para o desenvolvimento do Poder Judiciário e a favor do bem público.
No prêmio, o projeto foi batizado como “O uso da tecnologia como facilitador do acesso à Justiça”. “Justamente para facilitar o acesso à Justiça desse público mais vulnerável, que não tem condições de imprimir, de digitalizar o acordo, e que colocaria a saúde em risco ao se deslocar até a Defensoria apenas para assinar o acordo”, explica Taylor.
Ideia
A utilização da tecnologia do QR Code (Quick Response), como substituto da assinatura manuscrita, se deu com o surgimento da pandemia de Covid-19 e a consequente suspensão das audiências presenciais da Defensoria Pública. Diante da paralisação dos atendimentos presenciais e pensando em não deixar a população sem assistência, a equipe da 3ª Defensoria Pública de 1ª Instância de Família, coordenada pela defensora pública Carolina Carvalho, onde Taylor atua, precisou pensar em formas de garantir a homologação dos acordos da Conciliação e Mediação de conflitos.
“Então, o que eu pensei? Em publicar o vídeo na internet, com acesso limitado, pegar o link desse vídeo, converter em QR Code, e colocar o QR Code na petição. Quando o juiz fosse verificar o processo, veria a existência desse vídeo. No lugar onde a parte assinaria o termo de acordo, a gente colocaria o QR Code. O juiz poderia utilizar esse QR Code e já seria direcionado para o vídeo”, diz Taylor, lembrando que surgiram várias ideias, com sugestão de todos, e a dele foi a escolhida.
Implementação
O novo modelo de assinatura foi bem aceito pelos juízes e promotores de Justiça e também não encontrou resistência entre os assistidos. Para facilitar a gravação dos vídeos, Taylor criou um roteiro de fácil entendimento, para que os assistidos digam o nome completo, o dia em que foi feito o acordo e confirmem que leram e concordam com os termos.
Taylor também criou um passo a passo de como publicar o vídeo e gerar o QR Code e orientou os estagiários da unidade onde trabalha. Os estagiários publicam o vídeo no YouTube, convertem o link em QR Code e o colocam na petição. A iniciativa também foi compartilhada com as diretorias de Planejamento (DPLAN) e de Informática (DTI), para que possa ser usufruída por outras unidades.
“Estamos tendo um bom resultado. Segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] em 2018, 79,1% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet, sendo que em 99,2% desses domicílios, o telefone celular era utilizado para essa finalidade. Então, basta ter um celular com acesso à internet que se pode utilizar o vídeo como substituto da assinatura manuscrita. Essa ferramenta tecnológica facilita muito o acesso à Justiça”, afirma.
Taylor lembra que o QR Code já não é uma tecnologia nova e que, quando trabalhava em outra unidade da Defensoria, utilizou o QR Code para publicar na internet, com acesso limitado, vídeos enviados pelas partes para que servissem como meio de prova nos processos.
Anteriormente, conta, o que se fazia era pedir para a parte gravar um vídeo, salvar em dois CDs. Um ficava na unidade da Defensoria, o outro era enviado por ofício para a vara onde o processo estava tramitando. Funcionava como meio de prova. Isso porque armazenar os vídeos nos sistemas do Tribunal de Justiça e da Defensoria os deixariam muito pesados. “O nosso diferencial é usar uma ferramenta que já existe, que já é conhecida, para uma outra finalidade, a substituição da assinatura manuscrita de uma forma totalmente virtual e gratuita”, diz.
Tecnologia democrática
Como os programas utilizados são todos gratuitos e de fácil acesso na internet, a assinatura virtual pode ser implementada por todos os órgãos públicos. “É um mecanismo totalmente virtual, gratuito, fácil de ser utilizado e que pode dar celeridade a muitos processos, principalmente aos que permitem a transação, que é o acordo, sem necessidade de uma audiência justificativa, uma audiência para assinatura, ou o deslocamento do assistido a uma unidade de qualquer órgão para assinar”, defende Taylor.
O servidor da Defensoria salienta que o uso dos vídeos e do QR Code é um projeto isonômico que pode abranger todas as pessoas, tanto as que estão na vulnerabilidade, que são atendidas pela instituição, quanto as de classe média e alta. “Então é um projeto que facilita o acesso à Justiça, basta ter o acesso à internet e um celular que faça vídeo”.
Trajetória
Taylor entrou na Defensoria como estagiário na área forense Cível em 2015, função que exerceu por dois anos até se formar em Direito. Natural de Oriximiná, no Pará, veio para Manaus para estudar. Encerrado o estágio na Defensoria, ele retornaria para a sua cidade natal. Mas, quando menos esperava, foi chamado a retornar à instituição.
“Estava em um barco indo para o Pará, no meio do rio Amazonas, tudo escuro. Foi quando a defensora Carolina Carvalho me ligou me chamando para assessorá-la. Ela seria titular em uma unidade de Família e perguntou se eu tinha interesse em assessorá-la. Aceitei o convite. Era janeiro de 2017”, lembra. De lá para cá, quatro anos se passaram e Taylor conta que sua identificação com a Defensoria só aumenta.
Quando fez a seleção para estágio, Taylor foi aprovado na Defensoria e no Ministério Público, mas optou pela DPE-AM. “Foi um órgão com que me identifiquei”, afirma. O assessor revela que, a partir da experiência na instituição, vem amadurecendo a ideia de se tornar defensor público.
“São muitos fatores que me encantam na Defensoria. A Defensoria é um órgão que não só atende o hipossuficiente, a população mais carente, mas que além de atender, entende. Poucos órgãos têm essa empatia, essa sensibilidade. E na Defensoria pública, o diferencial é esse olhar para o povo vulnerável. Dizem que a Justiça sempre está de portas abertas, mas, parafraseando James Matthew, a Justiça não pode apenas estar de portas abertas como os hotéis luxuosos, deve ter um mecanismo para que os vulneráveis tenham esse acesso, e a Defensoria Pública é esse meio. Sem a Defensoria, não haveria acesso à Justiça para todos, seria algo desequilibrado. Então, isso me fascina na Defensoria”, explica.
Fotos: Acervo pessoal