Pular para o conteúdo

Defensor público apresenta pesquisa de doutorado sobre ‘Direito ao Fim da Vida’

Estudo analisa legislações de eutanásia e suicídio assistido e sugere regulamentação de normas para o Brasil sobre cuidados paliativos e autonomia na terminalidade da vida

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) foi representada em um dos debates internacionais mais relevantes sobre bioética e direitos humanos. O defensor público Roger Moreira defendeu, no dia 19 de novembro, sua tese de doutorado intitulada “O Direito ao Fim da Vida: análise jurídica da eutanásia e suicídio assistido na Península Ibérica e implicações para o Brasil”, na Universidade de Salamanca, na Espanha.

O trabalho, desenvolvido ao longo dos últimos anos, compara legislações recentes de eutanásia e suicídio assistido adotadas por Espanha e Portugal, países que, após a pandemia, passaram a regulamentar práticas voltadas a pessoas em fase terminal. A pesquisa examina impactos, critérios, mecanismos de controle e implicações éticas desses modelos, avaliando os reflexos possíveis em um país como o Brasil, onde não há legislação específica e o tema ainda é tratado como crime.

A escolha do assunto tem origem em um episódio pessoal vivido pelo defensor e também na rotina de atendimentos pela 1ª Defensoria Pública de 1ª Instância Especializada Na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Pessoa Com Deficiência e de Grupos Socialmente Vulneráveis, da qual é titular.

A experiência com o pai, que enfrentou quadro de irreversibilidade, e o contato com demandas complexas recebidas pela Defensoria mostraram que a ausência de uma normativa clara provoca sofrimento adicional às famílias e deixa profissionais de saúde sem parâmetros legais. Esses elementos motivaram Roger a investigar como outros países estruturaram políticas públicas para o fim da vida.

Segundo ele, o estudo nasce dessa vivência e da necessidade de tratar o tema com responsabilidade social. “A pesquisa analisa legislações recentes da Península Ibérica e busca entender o que elas significam para o Brasil. O país hoje não tem lei sobre eutanásia ou suicídio assistido. O que existe são resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), que servem como única referência. É um campo que exige diálogo entre direito, ética, saúde e sociedade”, afirmou.

Roger Moreira apresentou a tese no âmbito do convênio de coorientação firmado entre a Universidade de Salamanca, na Espanha, e a Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp), no Brasil. O trabalho recebeu aprovação com nota máxima e habilitação para o prêmio extraordinário pelo conteúdo inovador e pela comparação inédita entre modelos internacionais e a realidade brasileira, o que habilitou o defensor ao título de doutor.

Direito ao fim da vida
Com a coleta de informações, Roger Moreira analisou como diferentes países têm respondido à discussão sobre autonomia, dignidade e terminalidade da vida. Espanha e Portugal, por exemplo, criaram legislações específicas após debates públicos amplos e decisões de seus tribunais constitucionais. “Em ambos os casos, o Estado estabeleceu critérios rígidos, controle médico e participação de órgãos independentes para evitar abusos. Esses modelos servem hoje de referência para pesquisas globais sobre cuidados paliativos e autodeterminação”, avalia o defensor.

Em outras regiões, como Estados Unidos, Canadá, Bélgica, Suíça e Países Baixos (Holanda), o debate ocorre há décadas. Nessas jurisdições, práticas como eutanásia ou suicídio assistido surgiram inicialmente de decisões judiciais, evoluíram para legislações formais e permanecem submetidas a revisões constantes. “Apesar de diferenças culturais e religiosas, todos esses países tratam a terminalidade como questão de saúde pública e política de direitos humanos”, observa o defensor.

O Brasil, por outro lado, ainda discute o tema sob forte influência moral e com pouca produção legislativa. Atualmente, qualquer ato relacionado ao fim da vida é considerado crime e a única normatização existente são as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) previstas pelo Conselho Federal de Medicina. Essa lacuna faz com que, em situações reais, familiares e profissionais enfrentem decisões extremamente difíceis sem respaldo jurídico claro.

A ausência de política pública também impacta pessoas com doenças irreversíveis ou degenerativas, que vivem longos períodos sob sofrimento extremo sem opções de planejamento para o próprio fim da vida. Para Roger Moreira, essa realidade exige que o país desenvolva diretrizes que respeitem escolhas individuais, reforcem cuidados paliativos e protejam pessoas vulneráveis. “O direito precisa acompanhar o avanço social. Há casos de brasileiros que buscam serviços pagos no exterior porque não encontram alternativas aqui. Esse é um dado que não pode ser ignorado”, explicou, durante a apresentação.

Além de reforçar a urgência do debate interno, o estudo propõe que futuras discussões legislativas considerem a formação de profissionais de saúde, modelos de controle ético e mecanismos que impeçam distorções, pontos já observados em países que implementaram a prática. “Nenhuma legislação sobre o fim da vida é simples. Ela exige cuidado, preparo e compreensão multidisciplinar. Só assim se evita que o tema se torne instrumento político ou deixe de alcançar quem mais precisa”, argumentou.

Pesquisa pioneira
A tese se tornou uma das primeiras em língua portuguesa a comparar diretamente legislações recentes da Península Ibérica e seus possíveis reflexos no Brasil. Esse recorte, construído após análise de decisões dos tribunais constitucionais, casos concretos e evolução das normas, oferece material inédito para pesquisadores, magistrados e formuladores de políticas públicas.

O caráter pioneiro também se revela no esforço de aproximar o debate do cotidiano de instituições como a Defensoria Pública. De acordo com Roger Moreira, a DPE-AM já recebe demandas relacionadas à terminalidade, embora ainda voltadas à busca por tratamentos, cirurgias ou transferências. Contudo, segundo ele, o país precisa se preparar para atender pedidos de outra natureza, que envolvem planejamento do fim da vida, diretivas antecipadas e cuidados paliativos avançados.

O estudo, aprovado no Brasil e na Espanha, poderá ser transformado em livro com apoio da Escola Superior da Defensoria Pública do Amazonas (Esudpam). A obra deve ampliar o debate e servir como base para discussões nacionais sobre bioética, autonomia e proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema.

Texto: Ed Salles
Foto: Junio Matos/DPE-AM

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.

De volta ao topo