Em recurso, a Defensoria apontou nulidades processuais na sentença que havia autorizado a expulsão dos moradores, que vivem em condições de pobreza e dependem daquela área para garantir a subsistência e dignidade mínima
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) obteve uma decisão judicial que suspendeu o cumprimento de uma sentença de reintegração de posse de um terreno em Codajás, onde vivem 64 famílias. A decisão da desembargadora Lia Maria Guedes de Freitas, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) atendeu a um recurso ingressado pelo defensor Thiago Torres Cordeiro.
“O TJAM suspendeu os efeitos da decisão o efeito da reintegração até análise nos tribunais superiores”, explicou o defensor.
A reintegração da área da comunidade “Nascer do Sol” foi solicitada pelo Município de Codajás e havia sido autorizada pela Justiça na Primeira Instância. A prefeitura afirmou que o terreno é uma área pública destinada à implantação de equipamentos e serviços públicos e que havia sido ocupado em julho de 2024.
Atuando como custos vulnerabilis e representando a coletividade de moradores, a Defensoria Pública recorreu e apresentou nulidades processuais, como a violação aos artigos 9º e 10º do Código de Processo Civil (decisão surpresa), ausência de intimação da Defensoria Pública e do Ministério Público, além da supressão de fases processuais obrigatórias, como a audiência de mediação.
“Agora, com a decisão do TJAM que suspendeu a reintegração, vamos ter essa discussão dentro da legalidade, dentro dos princípios constitucionais do direito à moradia direito e ao acolhimento a dignidade da pessoa humana”, disse o defensor, observado que o aval para a reintegração havia sido dado sem que houvesse um plano de remanejamento da população.
Segundo Thiago Cordeiro, as famílias residentes da comunidade Nascer do Sol não possuem outra moradia, vivem em condições de hipossuficiência e dependem daquela área para garantir a subsistência e dignidade mínima, sendo, portanto, pessoas em situação de vulnerabilidade.
O recurso
No recurso ao TJAM, a Defensoria Pública explicou que as famílias ocupam a área pacificamente desde abril de 2019, “portanto, há mais de seis anos, o que contradiz a alegação de invasão recente feita pelo Município”.
A DPE-AM demonstrou que a posse é antiga, mansa e pacífica, o que afasta o requisito essencial da ação possessória por esbulho recente.
De acordo com o documento, as famílias não praticaram qualquer ato violento ou clandestino. “[…] ao contrário, buscaram regularização da ocupação, tendo inclusive comparecido ao CRAS em 2022, a convite do próprio Poder Público Municipal, para fins de cadastramento em programa habitacional […], o que demonstra a ciência e tolerância do Município quanto à ocupação”, destaca trecho do recurso.
A Defensoria Pública argumentou que, entre 2019 e 2024, não houve qualquer medida concreta e efetiva de retomada da área “tampouco impedimento à posse dos ocupantes, o que reforça o exercício prolongado da posse com ânimo de moradia e função social”. “Resta evidente que o Município apenas demonstrou interesse em retomar a área após o avanço das construções comunitárias, o que denota possível desvio de finalidade ou ausência de planejamento urbano adequado”, enfatizou.
Conforme o recurso, em fevereiro deste ano, os ocupantes foram ameaçados de remoção forçada pela Guarda Municipal e pelo procurador do Município, conforme registrado em Boletim de Ocorrência, o que contraria o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana e os direitos sociais à moradia previstos na Constituição Federal.
Considerando que em 2022 houve convocação dos ocupantes para cadastramento em programa habitacional promovido pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a DPE-AM apontou que havia ciência e tolerância do Poder Público à ocupação, ainda que informal. “Dessa forma, o exercício da posse pela Comunidade Nascer do Sol não é clandestino, nem violento, tampouco precário. Trata-se de ocupação consolidada, com construção de moradias, organização comunitária e intenção manifesta de permanência. Tem-se, portanto, a posse com finalidade habitacional legítima”, ressalta.
