Decisão considerou ilegal abordagem sem fundada suspeita, absolvendo homem condenado com base em provas derivadas dessa ação, evidenciando a necessidade de critérios objetivos e concretos para justificar invasões domiciliares
Atendendo a um recurso da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a ilicitude de prova obtida em abordagem policial irregular e absolveu um homem condenado por tráfico de drogas. A decisão do ministro Sebastião Reis Júnior foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico Nacional no dia 27 de março.
O homem havia sido condenado em primeira instância por tráfico de drogas, com base em provas obtidas em abordagem sem fundada suspeita. A DPE-AM, representando o réu, recorreu ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que manteve a decisão. A defesa, então, interpôs recurso ao STJ, alegando que a condenação se baseou em provas insuficientes e que houve falhas no processo legal.
Conforme os autos, em outubro de 2019, o homem foi abordado por policiais militares que realizavam patrulhamento noturno no bairro Japiim, Zona Sul de Manaus. Os PMs relataram que o homem demonstrou “atitude suspeita” porque estava em via pública com as mãos em um carro “já tarde da noite, em um local conhecido pelo alto índice a de tráfico de drogas” e, ao ver a viatura, teria se deslocado rapidamente para dentro de casa.
Os policiais, então, realizaram a busca pessoal e apreenderam 10,17g de cocaína.
No Agravo em Recurso Especial, o defensor público Inácio Navarro alegou a violação do artigo 244 do Código de Processo Penal, apontando que a abordagem foi baseada em suspeita policial e local com alto índice de tráfico de drogas, os quais, no entendimento STJ, “não preenchem o standard probatório de fundada suspeita exigido pelo art. 244 do CPP”.

O ministro Sebastião Reis Júnior acolheu os argumentos. Em trecho da decisão, o magistrado afirma que “é possível verificar que a busca pessoal foi efetivada apenas com base em suposto nervosismo do recorrente, inexistindo qualquer elemento efetivamente concreto que indicasse fundada suspeita da posse de algo ilícito”.
Na decisão, Sebastião Reis destaca que “a abordagem decorreu a partir de uma patrulha de rotina, tarde da noite, e pelo nervosismo do acusado ao avistar a viatura quando colocava a mão no carro”. “Como se percebe, não há um único elemento suficiente para justificar a revista pessoal e o ingresso na residência”, ressalta.
Com base na jurisprudência da Corte, o ministro apontou que a busca pessoal sem fundadas razões, além de ilegal, contamina as provas colhidas, justificando a absolvição. “[…] impõe-se a exclusão da prova obtida ilicitamente e daquela dela derivada – revista pessoal e busca domiciliar sem mandado judicial -, sendo de rigor a absolvição do recorrente com fundamento no art. 386, II, do CPP, ante a inexistência de prova independente apta a respaldar a materialidade do crime”.
“Isso reafirma a importância de se observar rigorosamente os princípios constitucionais que garantem a inviolabilidade do domicílio”, enfatiza o defensor Inácio Navarro. “O próprio ministro destacou que a abordagem policial foi realizada sem mandado judicial e fundamentada exclusivamente em fatores subjetivos, como o nervosismo do abordado e o fato de estar em uma área conhecida pelo tráfico”, disse.
Para o defensor público, a decisão é emblemática porque evidencia a necessidade de critérios objetivos e concretos para justificar invasões domiciliares, especialmente quando o resultado da abordagem se revela desproporcional. “A pequena quantidade de droga apreendida poderia, inclusive, ser compatível com uso pessoal, o que desqualificaria a acusação de tráfico”, observa.
“O caso reforça a importância do respeito aos direitos e garantias individuais, mesmo em situações de combate ao crime”, acrescenta Inácio Navarro.
“Essa compreensão é essencial para que as práticas policiais sejam balizadas pela legalidade e pela proporcionalidade, preservando o equilíbrio entre a repressão ao crime e a proteção dos direitos fundamentais”, conclui.
Texto: Luciano Falbo
Fotos: Divulgação/DPE-AM