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Em Itapiranga, Defensoria obtém decisão que reconhece multiparentalidade no registro de adolescente

Criado pelos tios-avós, que foram reconhecidos judicialmente como pais socioafetivos, o estudante Davi Serrão passa a ter duas mães em seu registro civil

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) obteve uma decisão da Vara Única de Itapiranga que garantiu o reconhecimento socioafetivo dos pais de criação de um adolescente de 15 anos de idade em seu registro civil. A decisão reconhece a paternidade e maternidade socioafetiva dos tios-avós, que assumiram, desde o nascimento, a guarda do menino, o qual também manteve vínculo afetivo com a mãe biológica.

Juliete Serrão Coutinho e Janderly Michel Pereira procuraram o atendimento da DPE-AM durante um mutirão do projeto Defensoria Itinerante no município e solicitaram a inclusão de seus nomes como pais socioafetivos no registro civil de Davi Serrão.

“Buscamos a Defensoria para nos ajudar porque queríamos uma forma de registrar o David legalmente, sem tirar o direito da mãe biológica dele, que é minha sobrinha. Então, a Defensoria deu entrada ao processo, participamos de uma audiência e agora saiu a sentença favorável”, explica Juliete Serrão Coutinho, mãe afetiva de David, esposa de Janderly e tia de Mariane da Costa Serrão, que é mãe biológica do menino.

O defensor público José Antônio Pereira da Silva, responsável pelo município, explicou que o casal procurou atendimento e detalhou a situação, destacando a mãe biológica manteve participação na vida do adolescente.

“Assim, ajuizamos a ação requerendo o reconhecimento da filiação socioafetiva sem a exclusão do vínculo com a mãe biológica, resultando assim na multiparentalidade. A ação teve como base dois pilares existentes no Direito das Famílias: a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade e a inexistência de hierarquia entre o vínculo socioafetivo e o vínculo biológico. Esses dois pilares são pacificados nos tribunais superiores, de modo que, com a procedência de ação, haverá essa multiparentalidade”

José Antônio Pereira da Silva, defensor público

“O David terá um pai e duas mães. É esse provimento que requeremos junto ao juízo de Itapiranga”, acrescenta o defensor público.

Ação, audiência e decisão

Na ação ajuizada em Itapiranga, o defensor Danilo Germano, coordenador da Defensoria Itinerante, destacou que o direito ao reconhecimento de paternidade e maternidade está assegurado na Constituição Federal e possui regulamentação tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto no Código Civil, e que jurisprudência admite a possibilidade da multiparentalidade.

Na petição inicial, o defensor citou um caso de Santa Catarina (SC) julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu “o laço afetivo como sendo superior ao laço biológico em ações de reconhecimento de filiação socioafetiva, admitindo-se também a concomitância de reconhecimentos, sem necessidade da exclusão do registro biológico”.

Danilo Germano destacou que “a socioafetividade alcançou notória relevância em matéria de filiação, passando a ser reconhecido o vínculo quando há relação de paternidade ou maternidade de fato, caracterizada pela convivência duradoura, afeto e cuidado, também denominada posse de estado de filho”.

O defensor explicou que o casal já possuía a guarda de David e, na prática, o tratava como filho. Conforme Germano, a inclusão dos nomes no registro facilitaria “a resolução de quaisquer situações atinentes ao adolescente em referência, tais quais como matriculá-lo em escolas, realizar viagens interestaduais e internacionais, inclusão de cadastros em hospitais e benefícios (como, por exemplo, plano de saúde)”.

Davi, antes de completar um ano, no colo de Juliete, junto das irmãs e do pai Janderly

A Justiça, então, pautou a audiência do caso, que foi acompanhada pelo defensor José Antônio. Todos os envolvidos foram ouvidos pela juíza Tânia Mara Granito e reafirmaram o desejo de alterar o registro civil de David, incluindo os nomes dos pais de criação.

Durante a audiência, Mariane explicou que, ao engravidar de Davi, não teve apoio dos pais e foi acolhida pelos tios Juliete e Janderly. O pai biológico do menino não assumiu a paternidade. “Eu não tinha condições psicológicas nem financeiras [para criar Davi]”, relatou.

Mariane disse que Davi sempre considerou as duas como suas mães. “Ele nunca deixou de me chamar de mãe, mesmo morando com eles”, disse.

Na decisão que reconheceu a multiparentalidade, a juíza observou que “a inexistência de laços de consanguinidade não pode se constituir em óbice para o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva, notadamente por tratar-se de uma das dimensões do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”.

“O direito não pode ficar alheio a estas mudanças da sociedade e ficar indiferente à convergência de sentimentos, como se revela de forma cristalina nos autos”, registrou a magistrada. “As questões sentimentais não podem ser indiferentes a uma ciência social como o direito”, acrescentou.

Celebração

A família está em festa pois celebrará o primeiro Natal como pai, mãe, filho e irmãos de forma oficial.

“Nós ficamos muito alegres e satisfeitos pela conquista que tivemos. E eu só tenho a agradecer a todos”, disse Juliete.

“E agradeço o atendimento da Defensoria Pública, que fez um ótimo trabalho. Ficamos felizes pela sentença judicial. Meu muito obrigado”, declarou Janderly.

“Eu quero agradecer à Defensoria Pública por conseguir a decisão de acrescentar o nome minha família adotiva no meu registro. Eu estou muito feliz”, disse Davi.

Texto: Luciano Falbo
Fotos: Acervo familiar/divulgação

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