Após dois anos de debates, resolução histórica garante acessibilidade, participação e condições especiais de trabalho para membros, servidores, residentes e estagiários com deficiência, marcando um avanço significativo na promoção da inclusão na instituição
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) agora conta com uma Política de Proteção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. A Resolução 02/2025, que instituiu a nova política, foi aprovada por unanimidade na 1ª Reunião Ordinária do ano do Conselho Superior da DPE-AM, realizada no dia 22 de janeiro, e publicada no Diário Oficial Eletrônico em 3 de fevereiro.
Fruto de quase dois anos de intensos debates, a política estabelece condições especiais de trabalho para as defensoras, defensores, servidoras, servidores, residentes, estagiárias e estagiários com deficiência ou com cônjuges, filhos ou dependentes legais nessa condição.
O assistente técnico Fábio Ricarte, que integrou um Grupo de Trabalho que subsidiou as discussões que resultaram na minuta da resolução, proposta pela Associação das Defensoras Públicas e Defensores Públicos do Estado do Amazonas (Adepam), diz que a política “é um marco, um divisor de águas”.
“Agora, nós, pessoas com deficiência, finalmente estamos sendo incluídas na instituição de forma regulamentada através da resolução. A Defensoria Pública do Amazonas passa a ter um protagonismo diante das instituições do Estado. Esperamos que as demais instituições públicas possam visualizar no modelo da Defensoria e replicar”.
Nós agradecemos verdadeiramente e estamos em festa. É o momento de se comemorar
Fábio Ricarte, servidor público
O residente jurídico Werner Lopes ingressou na DPE-AM em agosto do ano passado e participou de uma das últimas reuniões que discutiram o tema antes da aprovação do texto pelo Conselho Superior. Ele diz que a criação da política é de extrema importância. “Eu, como pessoa com deficiência, e os demais colegas, acreditamos que esse foi um importante avanço para a Defensoria Pública, no sentido da implementação de uma política voltada para as pessoas com deficiência”, diz ele, que aguarda ansioso a criação da comissão permanente.

Um dos relatores da matéria no âmbito do Conselho Superior, o 2º Subdefensor Público Geral, Marco Aurélio Martins da Silva, lembra que o texto tramitava no colegiado desde 2023.
Para mim, o principal ganho desta política é ecoar a voz e a participação das pessoas que possuem lugar de fala
Marco Aurélio Martins, 2º Subdefensor Público Geral do Amazonas

“Para mim, o principal ganho desta política é ecoar a voz e a participação das pessoas que possuem lugar de fala. Já que nem todo defensor vivencia as necessidades, apenas dessa forma é possível uma verdadeira inclusão, uma acessibilidade real e com ações afirmativas, dando cumprimento à Constituição Federal, à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e às nossas leis e normas internas”, destaca.
O 2º Subdefensor Geral avalia que a possibilidade das pessoas com deficiência darem direcionamento à instituição “é uma grande evolução”. “Todas as pessoas que estão na Defensoria Pública também vão descobrir que as barreiras não são só para as pessoas com deficiência, já que o trâmite do Direito Administrativo, por muitas vezes, gera entraves que devem ser superados em conjunto por todos”.
Marco Aurélio observa que, apesar de ser uma vitória, a resolução é apenas o início. “Nesse processo de discussão, eu percebi que não basta se colocar no lugar das pessoas com deficiência, isso não é o suficiente. Então, é necessário ecoar a voz das pessoas com deficiência. Somente com poder de participação é que a instituição vai poder ter ferramentas para começar a enfrentar os entraves administrativos. Até aqui, nós apenas escutamos as pessoas. Agora elas vão participar”, enfatiza.
“A acessibilidade e inclusão só vão ser possíveis se realmente nós escutarmos quem mais precisa. E mais do que isso, não são só as pessoas com deficiência que vão ser beneficiadas com isso. Todos na instituição, e fora da instituição também, porque precisamos nos reeducar. Precisamos ter a empatia necessária e perceber que, quanto melhor estiver a vida do nosso colega de trabalho, melhor a vida da instituição, melhor a vida dos assistidos”, conclui o 2º Subdefensor Público Geral.
Participação efetiva
Entre as diversas previsões da resolução, a maior conquista para os servidores, na avaliação da assistente social da DPE-AM Maria Maia é a criação da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI), que vai garantir, além da participação efetiva, periodicidade nas discussões, mantendo a política constantemente atualizada.

“Essa comissão vai dar um norte para garantir direitos para as pessoas com deficiência, para garantir a inclusão e a acessibilidade”, ressalta.
“Eu acredito muito na equipe da Defensoria e, quando se tem uma legislação assim, nesse patamar, significa que podemos voar um pouco mais alto, porque agora temos o respaldo da resolução. A gente já tinha o respaldo da Constituição de 88, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, da lei estadual de 2015, mas ainda não tínhamos a regra interna da Defensoria. A gente então não se sentia totalmente pertencente. Pertencer é muito importante. E com essa resolução agora nós pertencemos de fato”, acrescenta Maria Maia, que também é ativista do movimento PCD no Amazonas.
Para Fábio Ricarte, a CPAI vai fazer toda a diferença na efetivação da política “para que não só a Administração Superior ou o Conselho Superior, mas toda a instituição e os demais setores envolvidos possam também ouvir as pessoas com deficiência, para que todas as suas comunicações e todos os seus encaminhamentos possam ser acessíveis, dadas as suas especificidades de limitação”.
“A comissão permanente vai participar de forma efetiva no direcionamento da instituição. Então, vai ter uma mescla de servidores, de pessoas com deficiência e da administração. Isso também vai ser muito legal, porque as pessoas que não participam na parte administrativa da instituição vão perceber que, muitas vezes, a gente quer fazer alguma coisa, mas que tem que superar barreiras econômicas, políticas e financeiras”, pontua o defensor Marco Aurélio Martins da Silva.
Pertencer é muito importante. E com essa resolução agora nós pertencemos de fato
Maria Maia, assistente social da DPE-AM
Proposta, escuta e construção
Os primeiros movimentos que resultaram na criação da política PCD da DPE-AM iniciaram em 2022, conforme explica Maria Maia. “Foi quando o meu amigo e companheiro de luta no movimento PCD, Fábio Ricarte, foi nomeado. Nós passamos a discutir o que faltava na Defensoria, que era realmente uma política de inclusão e acessibilidade. Pensamos: como vamos chegar e falar isso para os nossos superiores? Porque não é só dizer, é preciso colocar na ponta do lápis”, relembra Maria.
“Elencamos algumas oportunidades de melhorias em nossa instituição”, complementa Fábio Ricarte.
Eles, então, chegaram a um consenso de que o caminho seria enviar um e-mail para o então Defensor Público Geral, Ricardo Paiva. “A Administração Superior teve a sensibilidade de nos ouvir e fazer os encaminhamentos”, observa Ricarte.


“Os defensores nos receberam muito bem. Fizemos uma primeira reunião com o doutor Ricardo e o doutor Nairo Aguiar (chefe de gabinete à época). Eles entenderam o nosso posicionamento, os nossos questionamentos e pediram um tempo. Depois, chamaram a gente novamente e criaram o Grupo de Trabalho”, relembra Maria Maia.
Fábio Ricarte considera que a criação do GT foi assertiva. “O grupo elaborou todas as demandas de forma ordenada e bem organizada, a qual foi fonte para que a Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Amazonas propusesse a resolução”.
“Através desse Grupo de Trabalho foi que a gente começou a debater o que já tinha de concreto em relação ao direito da pessoa com deficiência e o que faltava implementar, o que faltava buscar na lei”, recorda Maria Maia. “Quando veio o novo DPG, o doutor Rafael Barbosa, nós tivemos reunião e ele falou para a gente que daria continuidade à construção da política”, acrescenta Maria Maia.
Fábio diz que, mesmo antes da aprovação da resolução, já é possível perceber uma série de melhorias, “como, por exemplo, a questão das cadeiras para pessoas obesas”.
“Isso é acessibilidade para as pessoas com deficiência. A gente já percebeu uma mudança de pensamento quando da aquisição ou quando da construção de um imóvel para a Defensoria. Ou seja, esses novos imóveis da Defensoria, de alguns anos para cá, já vêm respeitando a normativa NBR 9050, garantindo a acessibilidade arquitetônica. A gente já vê materializando as transformações, como a questão da redução da carga horária do servidor PCD. Existe um protocolo para que ele possa solicitar a redução”, destaca.






“O que nós observamos é que existia esse vazio de regulamentação dentro da Defensoria e, com essa resolução, com certeza a gente vai conseguir atender a essas demandas como um todo”, finaliza Ricarte.
O que diz a Resolução 02/2025
A política aprovada pelo Conselho Superior prevê garantia de acessibilidade nos espaços físicos e canais digitais da DPE-AM, atendendo aos “princípios do desenho universal, tendo como referência as normas de acessibilidade e, em caso necessário, a adaptação razoável”.
O texto assegura aos servidores PCD a redução de 30% da carga horária de trabalho, medida que já vinha sendo adotada pela DPE-AM desde 2022.
O atendimento ao público PCD, de forma pessoal, por telefone ou por qualquer meio eletrônico, deve ser adequado a esses usuários, “inclusive aceitando e facilitando, em trâmites oficiais, o uso de línguas de sinais, em braille, comunicação aumentativa e alternativa e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência”.
A resolução também prevê a realização de “capacitação continuada e ações de sensibilização e de inclusão para membros, servidores, servidoras, estagiários, estagiárias e demais colaboradores, voltadas ao conhecimento e à reflexão sobre questões relativas às pessoas com deficiência e seus direitos”.
Sobre a CPAI
A Resolução 02/2025 prevê a criação da Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão (CPAI) para “fiscalizar, planejar, elaborar e acompanhar os projetos arquitetônicos de acessibilidade, de inclusão e projetos pedagógicos de treinamento e capacitação dos membros e servidores(as) que trabalhem com as pessoas com deficiência, com fixação de metas anuais, direcionados à promoção da acessibilidade para pessoas com deficiência”.
A comissão também será responsável por emitir parecer opinativo em questões relacionadas aos direitos das pessoas com deficiência, bem como nos demais assuntos conexos à acessibilidade e inclusão, no âmbito da DPE-AM.
A CPAI será composta por membros e servidores, preferencialmente PCD, representantes de vários setores da DPE-AM, além da Adepam e da Associação das Servidoras e Servidores da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (ASDEP-AM).
O colegiado será presidido por um dos Subdefensores Públicos Gerais. As reuniões ordinárias serão trimestrais.
Saiba mais
Confira a resolução na íntegra (a partir da página 6): https://diario.defensoria.am.def.br/wp-content/uploads/2025/02/Edicao_2349-2025__publicada_em_3_de_fevereiro_de_2025.pdf
Texto: Luciano Falbo
Fotos: Allan Leão/DPE-AM